
Máxima: Nasceu uma Estrela
Esta entrevista não é de agora mas, mesmo assim, aqui fica.
Desliza com leveza, enrosca-se para conversar, a intimidade é imensa. É determinada nas opiniões, não hesita nas palavras, não recusa temas. Neta e filha de actores, um pai músico, um tio pintor. Entre artes, invenções e representações nasceu, no meio do teatro foi menina e se tem feito mulher, em amorosa doçura.
É bom, sendo actriz, ter uma tradição de teatro na família?
À partida, seguindo a mesma profissão de muitas pessoas da família, tenho vantagens: ter vivenciado o meio, ter a noção da realidade, ter alguma bagagem para lidar com a popularidade.
Como é a sua relação com o seu avô, Raul Solnado?
Tenho a vantagem de não ser filha, de ser neta, tenho um distanciamento maior, vejo de fora, não o tenho dentro de casa, não sou uma sucessora directa dele, os comentários que oiço são poucos mas bons. O meu avô disse-me que eu representava com o olhar. Eu nem sabia o que isso era. Agora temos uma relação de muito carinho e cumplicidade, que foi aumentando ao longo do tempo. Ele dá-me opiniões construtivas. Manda-me por e-mail crónicas que escreve.
Quais são as suas primeiras lembranças de palco?
Assisti duas vezes à peça Os Bancários Não Têm Alma, tinha sete anos. Vem-me a imagem da primeira cena, em que o meu avô aparecia num comboio a dizer que se irritava quando as pessoas usavam pastas de dentes e carregavam no meio do tubo. Nessa peça, tive, pela primeira vez, acesso às maquilhagens, aos pós, aos bâtons da Manuela Maria e da Io Apolloni. Lembro-me de sentir muita vergonha, quando nessa cena o meu avô abotoava as calças. Contaram-me que quando eu tinha dois meses, a minha mãe punha-me dentro do armário da roupa para fazer a cena, e os actores abanavam-me para eu não fazer barulho. A minha mãe também me contou que estava a fazer uma peça, Perturbações e Pequenos Delírios, em S. Paulo, eu tinha dois anos e estava na primeira fila da plateia quando ela começou a cantar, e eu também comecei. Da minha avó, que também é actriz, lembro-me d’O Patinho Feio em S. Paulo, quando eu era muito pequenina. Se ela se zangava comigo, eu escondia-me nas vestimentas dos patinhos. Também desde muito pequenina, sempre que ia ao teatro ou ao ballet, quando voltava para casa, obrigava as pessoas a sentarem-se no sofá e fazia em cima da mesa da sala as coisas que me lembrava de ter visto. Tinha quatro anos quando ganhei o meu primeiro par de sapatos de seda, eram umas sabrinas feitas para mim com os restos da colecção do José Carlos por um sapateiro que ia ouvir o meu pai tocar piano no After Eight, na Praça as Flores. Cantei em alemão uma música que tinha aprendido na escola, no Rainha Dona Amélia. Na noite seguinte, ele trouxe-me os sapatinhos que fez. Costumo dizer que aquele foi o meu primeiro cachet.
Queria ser actriz? Como começou?
Queria ser bailarina, cirurgiã cardíaca pediátrica, tinha a ideia de que podia salvar as pessoas, principalmente as crianças. Entretanto, desde os 14 anos fiz teatro e estudei ao mesmo tempo. Estreei-me no King I Have a Dream, uma peça encenada pelo Thiago Justino, na altura marido da minha mãe, que também era actor na peça. No ensaio geral, faltou uma actriz, e como eu sabia os textos e a música, o Thiago disse-me para ir para um canto do palco: “Vai ali, para eu ver a estética.” Fui fazendo o papel daquela actriz e fiquei. Estreei no dia seguinte. Foi uma estreia atribulada, não fazia ideia do que ia fazer, só sabia que eles, os actores, faziam aquela peça, e que eu gostava de os ver. Foi em Fevereiro de 1998, tinha 14 anos. Depois, lembro-me de que o espectáculo acabou e a minha avó Jô estava desfeita em lágrimas. “Então?”, perguntou-me. Eu disse-lhe que me sentia como se tivesse voltado a casa depois de muitos anos longe. Como se estivesse outra vez no útero da mi-nha mãe. Ela chorou mais. Ela também se tinha estreado aos 14 anos. Depois, fiz peças no teatro do Estoril, tinha liceu de dia e teatro de noite.
O mundo de Joana
Peça - Romeu e Julieta
Filme - Million Dollar Baby
Realizador - David Linch
Actriz - Jodie Foster, Angelina Jolie
Actor - Morgan Freeman
Livro - A Era da Liberdade
Restaurante - Tia Alice, em Fátima
Estilista - Katty Xiomara
Desporto - Equitação
Cidade - Lisboa
E a estreia em televisão?
O Último Beijo foi a minha primeira novela, era a filha do protagonista, que era o Pedro Lima. Acordava às cinco de manhã, apanhava o comboio às seis, às sete horas tinha de estar no Cais do Sodré para apanhar a carri-nha para Vialonga. Não foi fácil. Mas adorei fazer a novela e estar ao pé de actores muito mais velhos, com quem podia aprender. Tinha muita vergonha de ter de gritar com eles na cena. No teatro, tinha 19 anos quando fiz As Confissões de Uma Adolescente. Andava no 2.º ano de Cinema na Lusófona (sou assídua faltante), um dia estava na praia e ligou-me a Margarida Vila-Nova, que tinha sido minha colega de escola aos 12 anos, para eu entrar na peça. Foi lindo. Estivemos quase um ano e meio em cena, era saboroso, era bom, viajámos pelo país todo. Depois, Morangos com Açúcar foi o trabalho em que as pessoas me reconheceram, às vezes vou na rua e ainda me chamam Catarina. Das três edições que a novela teve – esta é a terceira – aumentou a qualidade, mas também aumentou o nível de promiscuidade. Tenho medo de deixar o meu irmão de nove anos ver. Depois de fazermos a versão dos Morangos em teatro pelo país, enchemos o Coliseu de Lisboa.
Como se deu no Brasil? O que guarda dessa experiência de mudança?
Fiz um casting na Globo. Fiquei. Passei cinco meses no Rio de Janeiro a fazer a novela Como Uma Onda. Foi fácil, difícil, duro e gratificante, tudo ao mesmo tempo. Fui menina e voltei mulher. Na cidade impressionaram-me os contrastes, o descontrolo. A pessoa tem de se obrigar a viver um dia de cada vez. No trabalho, fui como uma esponja, absorvia tudo e todos. Estava bêbeda de informação. No plano pessoal, foi um crescimento, um grande pulo psicológico, emocional. Fiz muitos amigos. Lá, há tudo para incentivar, não para castrar.
É possível conciliar a carreira e a família?
Tento manter o equilíbrio, a minha família é a primeira a entender e a ajudar-me neste balanço.
O amor, o sonho de criar uma família?
Tudo na minha vida é movido pelo amor. Sonho ser muito feliz e ter muitos filhos, tantos quanto possa. Adoro crianças e acho que renovam qualquer pessoa. Fazem-nos mudar e entender os mistérios da vida.
O casamento, como será?
Mais nova, sonhava com um casamento de véu e grinalda a entrar na igreja pela mão do meu pai. Hoje, não me identifico com a Igreja católica e não tenho vontade de casar. Acho que vou fazer uma grande festa para comemorar a minha felicidade, com as pessoas de quem gosto.
E a sua ideia de liberdade?
Conquisto a minha liberdade todos os dias. Quanto mais me conheço, quanto mais descubro sobre mim, mais livre me sinto.
É a favor da despenalização do aborto?
Sou a favor. A mulher deve saber o que é melhor para si. Os abortos e-xistem e continuam a ser feitos. Muitas vezes em más condições, põem em risco a vida da mulher. Uma das grandes vantagens da despenalização é a mulher poder tomar a sua decisão com segurança, sem ser culpabilizada pela sociedade.
O trabalho, os tempos livres, como são?
Estudo de noite, o silêncio ajuda-me a concentrar e a produzir mais, às vezes de manhã cedo. Além do trabalho, gosto de fazer muitas coisas. Estar com amigos, jantar fora, ir ao cinema e ao teatro. Tenho o meu lado calmo, leio durante horas, posso pegar no carro e ir ao Algarve almoçar com o meu pai, que vive em Alte e que eu vejo menos do que gostaria.
Que planos de futuro tem?
Gosto muito da frase “Não faças planos para a vida, que podes estragar os planos que a vida tem para ti”, parece-me que é do Agostinho da Silva. Tenho sonhos, convicções e vontades, vou experimentá-los sem ansiedade. Neste momento, estou num intervalo de reciclagem, vou para Barcelona fazer um workshop de teatro e a Londres. Quero recomeçar a faculdade e acabá-la o mais depressa possível.
E, além do teatro, tem traços de família?
A minha avó Dorinhas, mãe do meu pai, tinha uma coisa que eu tenho muito. Tinha cuidado com ela, com o glamour, uma palavra que dizia muito, e tinha paixão por jóias. O meu pai ofereceu-me jóias de família que eram da minha avó. Eu identifico-me com essa minha avó. As pessoas tinham coisas que não eram descartáveis. Sou fascinada por carteiras, chapéus e sapatos, sou um bocadinho retro.